(Por
Isaac Loureiro*)
“Tem
gente que diz que faz uns 100 anos e eu digo que tem mais, porque quando minha
vó nasceu o carimbó já existia. E então ele tem mais de 200 anos. A minha vó
morreu com 86 anos. Veja lá, eu já tô com 70 anos. Não tem mais de 200?”
(Depoimento
de Mestre Celé, da Irmandade de Carimbó de S. Benedito, Santarém
Novo)
O Carimbó é o gênero musical tradicional mais conhecido do Pará, cuja manifestação ocorre há mais de dois séculos em quase todas as regiões do Estado, sendo considerado um elemento fundamental da identidade cultural de nosso povo. Resultado da formação histórica e cultural das populações da Amazônia, sua perenidade e resistência deve-se principalmente a processos de transmissão oral e a modos de vida tradicionais preservados pelas comunidades do litoral e do interior paraoara, dentro de seu contexto social, cultural e ambiental.
A Campanha “Carimbó Patrimônio Cultural Brasileiro” é uma iniciativa que busca envolver e mobilizar a sociedade em torno da valorização e do reconhecimento do Carimbó como expressão importante da cultura brasileira, sendo uma continuidade do processo organizado a partir das discussões promovidas no Festival de Carimbó de Santarém Novo desde 2005. Organizada por grupos de carimbó e entidades culturais de vários municípios, esta Campanha faz parte do processo iniciado pela Irmandade de Carimbóde São Benedito junto ao IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – para registrar o Carimbó Paraense como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.
Como parte fundamental desse processo de registro, a Campanha promove atividades de mobilização e sensibilização da sociedade em torno do carimbó, realizando diversas atividades como seminários, oficinas, encontros de mestres, rodas de Carimbó e outras ações em todo o território nacional, buscando tecer alianças e parcerias com instituições públicas, organizações culturais, empresas, pesquisadores e produtores culturais que compartilhem do mesmo objetivo.
Como surgiu a idéia de registro junto ao Iphan?
A idéia de registrar o Carimbó como Patrimônio Imaterial do Brasil se deu a partir do diálogo estabelecido entre a Irmandade de Carimbó de São Benedito, da cidade de Santarém Novo, e o IPHAN Regional PA/AP, ainda em dezembro de 2005, por ocasião da realização do 4º Festival de Carimbó de Santarém Novo, evento que desde 2002 vinha promovendo a valorização do Carimbó na região do nordeste paraense.
Foi nesse espaço que o IPHAN apresentou à Irmandade e aos grupos presentes o Programa Nacional de Patrimônio Imaterial, falando sobre o processo de registro e abrindo assim a possibilidade de tornar o Carimbó patrimônio imaterial da cultura brasileira. Assumindo essa proposta, a Irmandade os grupos de carimbó dão início à mobilização para viabilizar esse registro, o que levou à organização da Campanha “Carimbó Patrimônio Cultural Brasileiro” em dezembro de 2006 e à formalização do pedido de registro junto ao IPHAN em fevereiro de 2008.
O pedido oficial incluiu um pequeno dossiê sobre o carimbó e as manifestações a ele associadas, tendo sido articulado pela Irmandade de Carimbó de São Benedito e subscrito também pelas associações culturais Raízes da Terra, Japiim e Uirapuru, estas três do município de Marapanim.
Por que organizar uma campanha pelo registrar o carimbó?
Entre tantas manifestações integrantes deste grande mosaico que é a cultura brasileira, o Carimbó tem se destacado por sua importância artística, cultural, ambiental, histórica e social. Desde os primórdios da cultura popular na Amazônia, são inúmeras as obras de Carimbó que não possuem registro, são inúmeros casos de produções musicais, saberes e trajetórias de vida de grande relevância para a história da cultura nacional que sobrevivem somente na memória coletiva de nossos mestres e seus descendentes.
Para nós, o registro do Carimbó como bem cultural de natureza imaterial significa um importante passo para garantir sua preservação e seu reconhecimento como patrimônio de nossa cultura, elemento essencial e definidor de nossa identidade. O registro se faz necessário diante do acelerado processo de desagregação social e homogeneização cultural que atinge a região amazônica, onde as culturas nativas e tradicionais vem sendo velozmente atropeladas pelos produtos culturais da modernidade capitalista, o que ameaça a diversidade e as identidades próprias dos povos desta região.
Registrar o Carimbó é um processo que exige uma ampla mobilização da sociedade, das instituições públicas e dos atores sociais que estão diretamente envolvidos na manutenção desta manifestação. Por ser um bem cultural presente em diversas localidades, em diferentes contextos, com múltiplos significados, acreditamos que toda essa diversidade deve também estar representada no acompanhamento desse processo, participando efetivamente das discussões, contribuindo no trabalho de pesquisa do inventário, articulando alianças e elaborando propostas em sintonia com as necessidades dos grupos e comunidades carimbozeiras.
Nesse sentido, a organização da Campanha “Carimbó Patrimônio Cultural Brasileiro” vem cumprir o objetivo de integrar os segmentos sociais e culturais ligados ao Carimbó, proporcionando a todos um espaço de cooperação, reflexão e ação coletiva em prol do reconhecimento e valorização dessa tradição cultural popular.
O caminho do carimbó atualmente
O carimbó hoje busca o seu reconhecimento mais amplo, mais profundo, lutando para afirmar sua importância para toda a sociedade brasileira. Nosso caminho atual é de organização e construção desse movimento cultural e identitário. Hoje os grupos estão buscando se articular de forma mais coletiva, compartilhando compromissos e idéias, aprendendo a trabalhar juntos respeitando toda a diversidade que existe dentro do carimbó.
Há também um caminhar mais forte no sentido da autonomia e protagonismo das comunidades e dos seus grupos, uma necessidade concreta de unidade e organização para conquistar cada vez mais espaço e reconhecimento.
Do ponto de vista artístico, vemos um crescente fortalecimento do estilo tradicional de música, canto e dança, que ganham mais visibilidade nos eventos, na mídia e nas comunidades. Podemos dizer que é uma espécie de mergulho profundo em si mesmo, suas raízes e valores, um estado de preparação e revigoramento para novos combates, como antes faziam nossos ancestrais em suas aldeias e mocambos. O carimbó e seus mestres e mestras querem estar preparados para o que virá.
Como fazer para participar da campanha?
Qualquer pessoa pode participar desta iniciativa, independente de fazer parte ou não de algum grupo ou entidade. A campanha está sendo organizada em vários municípios através de comissões locais que reúnem os grupos de carimbó da comunidade, instituições culturais, produtores culturais, educadores, enfim, todos os que desejam fortalecer essa tradição.
Outra forma de participar é promovendo algum
tipo de atividade cultural, lúdica, educativa, relacionado ao carimbó em seu
bairro, comunidade, escola, etc. É só entrar em contato com nossa coordenação
para saber mais a respeito da Campanha e propor parcerias. A difusão de
informações sobre o carimbó e as ações da campanha via internet e outros meios
de comunicação é outra boa forma de participar. No Pará e em outros estados
brasileiros já temos o apoio de diversos sites, redes, revistas, jornais e
rádios, entre outros veículos de informação, organizados por grupos e pessoas
aliadas de nossa causa.
Todo
o trabalho da Campanha é feito de forma voluntária e auto-organizada.
Para saber mais, entre em contato conosco:
(91) 8722-9502 / 8263-9738
(* Isaac Loureiro é ativista cultural, pesquisador, membro da Irmandade de Carimbó de S. Benedito e coordenador da Campanha Carimbó Patrimônio Cultural Brasileiro)